23.10.06

Homenagem ao Bairro onde Nasci

Nasci no ano de sessenta e oito
Gordinho com carinha de biscoito
Na periferia de São Paulo, na Vila Marilena
Um povoado pacato, de gente serena.

Tive um lar feliz, com irmãos e pais
Uma infância boa, como não se vê jamais
Passei privações como qualquer do povo brasileiro
Mas meu velho, nunca entrou em desespero.

Fui menino soltando pipa, em um campo de argila
Corri atrás de uma bola, daquelas que o dedo esfola
Perebas nas pernas eu tinha que era um horror
Tatuagens naturais vistas com louvor.

Criei-me neste cenário
Aprendi a caçar no mato
Solto na buraqueira
Também pude saltar na fogueira.

E orava com muito fervor
Porque seria um horror
No inferno eu ser metido
Medo que é de todos, ainda mais de um menino.

Pude ver aquele monte de cabrito
Com uma sela ou cangalha
O pelo feito a navalha
Por um dono agourento.

O sol rachando minha cuca
O poeirão vindo da curva
Sujando a roupa a secar no varal
Deixando mãezinha muito mal.

Uma vida bem pacata
De gente serena e calma
Um povo de boa alma
Que alpercata no pé apertava
E que qualquer visita acatava
Gente sempre precisando de favor
Mas que da vida era professor.

Há saudades dos furtos de goiaba
Dos homicídios de sabiá
Macetar a cabeça da cobra malvada
Daquele bolo quente de fubá.

Da água límpida da bica
Ver escondido a nua prima
Sair na mão no fim da aula
Obrigado a pedir perdão dentro da sala
Era linda a fieira de lambari na sacola
Pegos em armadinhas, com garrafa de coca-cola.

Prazer de puxar uma linhada iscada com minhoca
E fisgar uma traíra dentuça na sua toca
Pude ver cobra d’água engolindo perereca
Rodar pelo rabo a faminta megera.

Cacei preá com cachorro vira-lata
Assei os bichos na fogueira da madrugada
Ouvi histórias de lobisomem, bem assustado
Que eriçava o único fio de cabelo do “subaco”.

Ouvi que inventaram uma tal de televisão
Que tinha gente dentro, som, cor e visão
Também um tal de chuveiro de água quente no jato
E um microondas que substituía a panela de barro.

Até um “filicheive” chamado prestobarba
Que substituía a nossa boa e velha navalha
Tudo inventado por um cara de nome progresso
Eta cabra sabido, o homem era mesmo possesso.

E ouvi falar lá no bar do seu João da cabeça branca
Que esse tal de progresso comia criança
Eu queria ver o progresso substituir o cheiro de terra molhada
Que subia quando Deus mandava aquela boa enxurrada.

Queria o ver substituir meu pôr-do-sol no entardecer
O pulo do tiziu, o cheiro da mata, eu pagava pra ver
Queria o ver substituir o sorriso da vovó Joana de Almeida
Quando no natal ela tinha todos os netos em volta da mesa.

Queria o ver substituir o cansaço no semblante do papai
Quando pegava o trem virador, cheio até não caber mais
Queria o ver substituir a honra e nobreza do vovô Ditinho
Que contava histórias e enriquecia meus sonhos de menino.

Há Saudades de ti, Vila Marilene,
Saudades da lamparina a querosene.


Wagner Almeida Posso.

2 comentários:

poesias maria do carmo disse...

oi Wagner,tudo bem? por acaso encontrei seu blog e adorei ,muito bom ,ja estou a seguir,abraços.

Wagner disse...

Fiquei muito feliz com seu comentário. Acessei seu blog e vi o quanto tenho que melhorar. Parabéns pelo blog. Um abraço.